quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Aborto de repetição


Pior que não conseguir o positivo é ver esse sonho se acabar cedo demais e em alguns casos, várias vezes. Uma perda já é dolorida demais, acaba com o coração de qualquer mulher que tenha sonhado tanto com a conquista do positivo. Infelizmente em alguns casos, a mulher sofre com a perda por mais de uma vez. Isso faz com quem a gravidez nunca seja comemorada em sua felicidade máxima, pois o fantasma do sonho perdido está sempre rondando. Mas felizmente, algumas dicas vão ajudar a identificar e superar o problema e viver a gravidez com a tranquilidade que toda mãe merece.

O que é aborto de repetição?


Cerca de 15% a 25% das mulheres tem uma gravidez que evolui para o abortamento. Esse número pode ser ainda maior se consideramos as mulheres que não sabem ainda da gravidez. 

Abortamento é a interrupção (espontânea ou provocada) da gestação antes de 20 semanas (cerca de 5 meses) ou com peso fetal menor que 500 gramas. Denomina-se aborto de repetição ou aborto recorrente ou ainda aborto habitual quando há três ou mais perdas espontâneas consecutivas. 

A maioria dos abortos não é “visível”, isto é, não é percebido, pois ocorre antes do atraso menstrual. Isso ocorre, pois, quando os óvulos são fertilizados no organismo, e somente parte deles gera embriões normais. Numa concepção espontânea, mais da metade dos embriões formados (55%) perdem-se, ou antes mesmo de serem implantados (cerca de 30%), ou logo após serem implantados (mais 25%). Quando a gravidez é diagnosticada, até 25% podem ainda se perder, chegando a nascer somente 30% dos embriões formados. 

O aborto geralmente acontece uma vez na vida da mulher. A maioria das pacientes que sofreram um processo de abortamento irá engravidar e apresentar uma gestação saudável. Menos de 5% das mulheres irão ter um novo episódio de abortamento e apenas 1% irá apresentar três ou mais abortamentos.

Quais as causas do aborto de repetição?


As causas para a ocorrência de abortos de repetição são variadas e devem ser tratadas particularmente. Geralmente, são alterações de ordem cromossômicas/genéticas, anatômicas, presença de trombofilia, alterações endócrino-metabólicas, imunológicas, infecções ou ainda por algum fator masculino. 

Alterações cromossômicas/genéticas: menos de 5% dos casais tem essas alterações, que podem ser avaliadas por exame de sangue, causando problemas genéticos ou cromossômicos no embrião, muitas vezes incompatíveis com a vida.



Grande parte dos AE's (abortos espontâneos) são por causa dessas alterações (cerca de 60% a 76%), e esse número vai aumentando conforme vai aumentando a idade da mãe. No caso de abortos de repetição, essa alteração é encontrada em até 45% dos casos. As alterações mais comuns são duplicações ou perda de algum cromossomo ou de parte dele. Exames de cariótipo (do produto do aborto e dos pais) podem confirmar a causa e determinar o tratamento adequado. 

Alterações Anatômicas: alterações da cavidade uterina podem impedir o crescimento da gestação. As principais alterações anatômicas relacionadas a AR são as malformações müllerianas (septo uterino, útero bicorno, unicorno e didelfo), miomas, pólipos e sinéquias uterinas. Para diagnóstico, recomenda-se ultrassom transvaginal e histeroscopia, entretanto muitas vezes é necessário complementar com ressonância nuclear magnética (RNM) de pelve, ultrassom 3D ou laparoscopia associada a histeroscopia para diferenciar septo de útero bicorno.

Trombofilia: é a propensão a desenvolver trombos e ou outras alterações em qualquer período da vida, inclusive, durante a gravidez, parto e pós-parto, devido a uma anomalia no sistema de coagulação do corpo. O fator genético é uma das causas para a trombofilia. O risco é que se forme coágulos e obstruam a circulação dando trombose venosa profunda, embolia pulmonar e cerebral como também obstruindo a circulação placentária. 

A síndrome antifosfolípide (SAF) é definida como a presença de trombose, ou abortamentos de etiologia auto-imune na vigência de auto-anticorpos circulantes contra fosfolípides ou proteínas associadas a fosfolípides. É uma trombofilia adquirida, diferindo de uma série de condições hereditárias que se caracterizam por processos trombóticos de ocorrência familiar. O diagnóstico é feito pela presença de anticorpos anti-cardiolipina ou anticoagulante lúpico no sangue. O exame positivo deve ser repetido após 6 semanas para confirmação.
Pacientes com SAF devem ser tratadas com aspirina e heparina durante a gestação para evitar novo aborto.

Alterações endócrino-metabólicas: algumas alterações como Diabetes mellitus (DM), Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP)Hipotireoidismo, Hiperprolactinemia e problemas com a insuficiência da fase lútea podem estar relacionados ao maior risco de abortos. 
No caso de mulheres diabéticas com aumento de hemoglobina glicosilada no primeiro trimestre têm maior chance de aborto e malformação fetal. Diabéticas controladas têm risco igual ao da população geral. Para pacientes com diagnótico de SOP têm risco aumentado para aborto, provavelmente devido à resistência a insulina e hiperinsulinemia. O uso de sensibilizadores da insulina, como metformina, para diminuir a taxa de aborto tem sido sugerido, entretanto os dados da literatura ainda são controversos. O hipotireoidismo descompensado aumenta o risco de aborto. Assim, em pacientes com AR, deve ser pedido sempre TSH, T4 livre e anticorpos antitireoidianos (antitireoglobulina e antiperoxidase). Como durante a gravidez há uma sobrecarga da glândula tireoide, recomenda-se que em mulheres com hipotireoidismo em tratamento mantenha-se TSH abaixo de 2,5 mlU/l. Em relação ao hipotireoidismo subclínico, quando associado a auto-anticorpos, deve sempre ser tratado. Na ausência de auto-anticorpos não há consenso, mas a tendência é recomendar o tratamento também. A presença de auto-anticorpos para tireoide tem maior prevalência em mulheres com AR (20-25%) em comparação às gestantes normais (15-20%), mas se o tratamento com levotiroxina tem benefício ainda é algo controverso. Recomenda-se nesses casos tratar quando o TSH está acima de 2,5 mlU/l. Nos casos de hiperprolactinemia, sua ligação aos abortos de repetição está na alteração do eixo do hipotálamo-hipófise-ovário, resultando em alteração na foliculogênese, maturação oocitária e insuficiência lútea. Dosagem de prolactina e normalização dos níveis quando elevados com agonistas dopaminérgicos pode melhorar os resultados em uma nova gestação. E apesar de insuficiência lútea não ser frequente e estudos demonstrarem que a suplementação de progesterona não diminui o risco de abortos espontâneos isolados, em pacientes com AR há evidência de benefício e deve ser utilizada no primeiro trimestre. Normalmente é feita com progesterona micronizada 200 mg via vaginal de uma a três vezes ao dia. 

Alterações imunológicas: entre os problemas imunológicos com possível associação com AR, estão Células natural killers (NK), que são linfócitos com receptor CD56+ presentes em sangue periférico e no útero, sua presença aumentada estão relacionadas à falhas na implantação do embrião, contudo não há consenso na literatura médica quanto ao valor aceitável; Incompatibilidade de antígenos leucocitários entre o casal, onde o corpo não aceita o embrião, rejeitando-o.

Infecções:  Qualquer infecção que leve a bacteremia ou viremia pode causar aborto de primeiro trimestre, mas normalmente não estão envolvidas em AR. Toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus (CMV) e sífilis também podem estar associadas a abortos, mas não com AR.

Endometrite crônica está presente em 9-12% das mulheres com AR, mas não está estabelecido se realmente está envolvida na causa. É geralmente assintomática ou com sintomas discretos como o corrimento vaginal, dores pélvicas discretas ou sangramento vaginal irregular. Acredita-se que essa infecção pode produzir toxinas que causam danos ao embrião e ao processo de implantação. É diagnosticada por biópsia de endométrio com anátomo-patológico compatível com infecção (o que nem sempre está presente) ou presença de plasmócito no estroma endometrial (CD138 e EMA) detectado por imuno-histoquímica. Quando presente, deve ser tratada com antibiótico. Recomenda-se ainda bacterioscopia e cultura de secreção vaginal, além de pesquisa específica de Mycoplasma hominis, Ureaplasma urealiticum, Chamydia trachomatis e Neisseria gonorrhoea.

Fator masculino: estudos sugerem que o aumento da fragmentação do DNA do espermatozoide aumenta a taxa de aborto e pode estar associado a AR. As causas mais comuns de fragmentação alterada são fumo, idade avançada, drogas e varicocele. A erradicação dessas causas pode melhorar esse problema, mas, se isso não for suficiente, o tratamento com antioxidantes pode ajudar (vitamina C 500 mg/dia, vitamina E 400UI/dia e ácido fólico 5 mg/dia). Em alguns casos, podem ser prescritos anti-inflamatórios e antibióticos, mas sem evidência científica de real benefício.

Embora essas sejam as causas mais comuns, alguns casos de abortos de repetição não são diagnosticados. Nesses casos é importante adotar hábitos saudáveis para diminuir os riscos de abortos como parar de fumar, diminuir o consumo de álcool e cafeína, praticar exercício moderado e controlar o peso. Suplementação de ácido fólico e progesterona também é indicada, e muitas vezes é necessário suporte psicológico para que o casal, abalado pelas perdas prévias, não desista de tentar uma nova gravidez. 

Exames para diagnóstico 


Alguns dados devem ser coletados para tentar diagnosticar as causas dos abortamentos repetidos, tais como:

  • Triagem infecciosa: coleta de exames sorológicos para HIV, hepatite B, hepatite C, sífilis, toxoplasmose, rubéola, CMV, HTLV I/II, parvovírus B19;
  • Cariótipo de sangue periférico paterno e materno: exame sanguíneo que analisa a estrutura cromossômica do pai e da mãe;
  • Pesquisa de trombofilias: exames sanguíneos que avaliam se a mãe é portadora de alguma doença que possa aumentar a coagulação sanguínea e prejudicar o fluxo de sangue que vai para o bebê. A principal trombofilia responsável pelo abortamento de repetição se chama síndrome do anticorpo antifosfolípide (SAAF) e é caracterizada por perdas gestacionais precoces sequenciais;
  • Ultrassonografia transvaginal: exame que avalia o formato do útero e dos ovários em busca de algum sinal que evidencie cisto ovariano ou malformação estrutural uterina;
  • Histeroscopia diagnóstica: exame que avalia o interior da cavidade uterina em busca de alguma possível malformação uterina, tal como o útero septado;

Quando voltar a tentar?



Segundo  a Organização Mundial de Saúde, para os casos em que houve um episódio de aborto, recomenda-se esperar 6 meses para tentar engravidar novamente, contudo, alguns estudos demonstram que gestações concebidas antes desse prazo apresentam menores complicações comparadas com aquelas que esperaram mais tempo para engravidar. A maioria dos médicos recomenda 3 meses caso a mulher se sinta confortável e o tempo gestacional foi menor. Nos casos de dois ou mais episódios, a avaliação médica deverá indicar o prazo para as tentativas após o tratamento indicado.

Apesar dos prazos indicados pelos médicos, o importante é que cada uma observe seu tempo para se recuperar de uma perda gestacional precoce antes de tentar engravidar novamente. O corpo dá sinais de que está pronto para uma nova gravidez, após quatro a seis semanas a menstruação retornará e estará recuperado para uma nova gestação.



Lembre-se cada pessoa tem sua forma de enfrentar seus sentimentos após uma perda. É importante o respeito mútuo quanto ao tempo para se recuperar da dor de perder um bebê tão desejado.


Aumentando as chances de uma gravidez saudável




Além de escolher um estilo de vida saudável, deve-se começar com as vitaminas pré-natais e principalmente a ingestão de ácido fólico pelo menos 3 meses antes de tentar engravidar. Manter o peso ideal para seu biotipo corporal, juntamente com a prática de exercícios físicos. Limitar a ingestão de cafeina e bebidas alcoólicas, além claro, de evitar o fumo e situações de estresse. 
Converse também com seu médico a respeito dos demais cuidados que deverá tomar no seu caso, como a inclusão de uma dieta alimentar específica ou um tratamento para os abortamentos. É importante saber que as chance de ter uma gestação normal na próxima vez, sem nenhuma intervenção, é de 50-75%, dependendo da idade da mulher e do número de abortos prévios, portanto vale a pena continuar tentando. Boa sorte e até a próxima!

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